sábado, 2 de fevereiro de 2013

EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E EMPREENDEDORISMO: O CASO DA CHEGADA DO CINEMATÓGRAFO NO BRASIL

É conhecida amplamente a noção de que a evolução tecnológica é fonte de oportunidades para a criação de novas empresas e organizações. Ao longo da história da evolução tecnológica inúmeros exemplos podem ser citados, desde os mais antigos, tais como a criação da lâmpada elétrica e a invenção da imprensa, e os mais recentes, criação da televisão, dos computadores, telefones celulares, e assim por diante.
As oportunidades de negócios que surgem com uma nova tecnologia, vão desde sua aplicação em um novo produto na indústria, passando por empresas de comércio que farão vendas a varejo ou atacado e chegando aos serviços com inúmeras atividades complementares, o mais comum delas sendo a prestação de serviços de manutenção e conserto dos equipamentos associados à nova tecnologia.
A história da chegada do cinema, por meio dos primeiros cinematógrafos no Brasil é um caso interessante. Vicente de Paula Araújo, em 1973, publicou os resultados de sua pesquisa histórica sobre a chegada do cinema no Brasil no livro A Bela Época do Cinema Brasileiro. Esta publicação é um documento histórico, altamente valioso, que apresenta em detalhes um período compreendido entre 1896 com as primeiras exibições das chamadas vistas animadas até dezembro de 1912 com uma indústria cinematográfica brasileira instalada, mas enfrentando dificuldades com a concorrência das empresas norte-americanas e europeias.
O livro de Araújo é bem documentado com textos extraídos dos anúncios feitos pelos empresários do cinema no Brasil e sua leitura, embora enfadonha, alguma vezes, revela a diversidade de empresas que foram surgindo ao longo dos anos.
Na primeira parte do livro – O Cinema chega ao Brasil – o autor relata como diferentes entretenimentos eram buscados pela população até a chegada do cinema que se tornou muito popular, desbancado a preferência de outros entretenimentos junto à população. Aliás, nessa parte do livro Araújo conta a experiência de Vitor Meirelles e seus panoramas que abordei no post  Rotunda de Vitor Meirelles: o primeiro crowdfunding da indústria criativa no Brasil, nesse mesmo blog (http://3es2ps.blogspot.com.br/2012/12/rotunda-de-vitor-meireles-o-primeiro.html).
Mas, é na segunda e terceira partes do livro que se pode vislumbrar o efeito empreendedor da chegada da tecnologia cinematográfica inicial no Brasil naquele ano de 1896 e a criação de salas fixas de exibição a partir de 1897. A segunda parte do livro – O cinema começa no Brasil – relata a primeira filmagem feita em 1898 e cobre o período até 1906. Na terceira parte – O cinema conquista o Brasil – descobre-se sobre a impressionante produção de filmes no Brasil e o surgimento de muitas empresas cinematográficas. Mas, 1912 marca a primeira crise do cinema brasileiro conforme relata Araújo.
Ao longo desse período foram criadas empresas dos seguintes tipos:
1896: no dia 9 de julho é feita a primeira apresentação pública de vistas animadas, a jornalistas, na Rua do Ouvidor, 57 no Rio de Janeiro, sendo aberta ao público no dia seguinte; aparelhos ancestrais do cinematógrafo eram usados em feiras livres e parques de diversões para exibição de vistas animadas; período do cinema ambulante .
1897: uso de diversos aparelhos semelhantes ao cinematógrafo para exibição de vistas animadas em salas de teatros; em julho desse ano, aparece a primeira sala fixa de cinema, usando um cinematógrafo dos irmãos Lumiére no Teatro Lucinda; no mesmo mês inauguração do Salão de Novidades, tendo como sócio Pascoal Segreto cujo irmão faria as primeiras filmagens no Brasil.
1898: no domingo, 19 de junho, Afonso Segreto realiza as primeiras tomadas de vistas animadas do porto do Rio de Janeiro, usando equipamentos que fora buscar em Paris a pedido de seu irmão Gaetano Segreto.
1899: Inauguração do salão Paris no Rio; utilização do animatógrafo dos irmãos Lumiére; importação de outros equipamentos cinematográficos de Nova Iorque; realização de filmagens diversas por Afonso Segreto.
1900: Pascoal Segreto, devido ao sucesso de seus empreendimentos, passa a ser chamado pela imprensa e população de Ministro das Diversões; apresentação no salão Paris de 100 vistas novas, quase todas nacionais.
1901: surgimento dos cafés-concerto, casas denominadas chopes, que possuíam, como atração para seus frequentadores, cinematógrafos;
1902: surge o cinema-falante, aparelho cinematográfico combinado com o fonógrafo (não era ainda a filmagem com som, mas sincronização de sons e imagens com aparelhos distintos).
1903: Osvaldo de Faria, jovem brasileiro apresenta seu invento que permitia a transformação de correntes elétricas contínuas em alternadas que teria ampla aplicação no cinema.
1904: surge o comércio de vistas a 1$000 o metro; utilização do cinematógrafo e iluminação elétrica na inauguração da Avenida Central no Rio de Janeiro em 7 de setembro;
1905: continuidade do sucesso do cinematógrafo-falante; anúncios de engenheiro-eletricista oferecendo serviço de instalação de aparelhos cinematográficos; programas longos no cinema (4.000 metros de películas no Teatro Carlos Gomes em abril desse ano).
1906: começam a ser feitas filmagens sob encomenda, por exemplo, as filmagens mostrando os autores de um crime que abalou a cidade do Rio em outubro, Rocca, Carletto e Pegatto na casa de detenção.
1907: expansão no número de salas de cinema; chegada ao Brasil de representante do industrial francês Charles Pathé; expansão das filmagens brasileiras.
1908: segundo Araújo, inicio da fase áurea do cinema brasileiro (p. 229); criação de empresa produtora de filmes cantantes (William & Cia); representantes de fábricas europeias e norte-americanas são contratados no Brasil; criação da produtora Photo-Cinematographia Brasileira; produções da Pathé no Rio; grande sucesso d´Os estranguladores, produção da Photo-Cinematographia Brasileira sobre crime ocorrido no Rio (mais de 800 exibições);
1909: muitos filmes brasileiros são bem sucedidos; Joseph Arnaud e Emilio Guimarães embarcam para a Europa para tentar exportar filmes brasileiros.
1910: o teatro sofre com a competição dos cinematógrafos; mais cinemas são inaugurados; a produção nacional, Paz e Amor, chega a 400 exibições; produção nacional crescente.
1911: anúncio de empresa alugando fitas com catálogo de mais de 800 filmagens; Paz e Amor chega à milésima apresentação; surgem as primeiras estrelas do cinema brasileiro; clima de competição entre alugadores e exibidores de fitas; Francisco Serrador firma-se como um grande empresário do cinema em São Paulo.
1912: surgimento dos jornais de atualidades feitos por Alberto e Paulino Botelho; surgimento do Kinemacolor, com fitas coloridas; a Cia Cinematográfica Brasileira de São Paulo compra dois cinemas no Rio; essa empresa se torna representante exclusiva no Brasil de um grande número de produtores estrangeiros; compra mais cinemas em Niterói, Belo Horizonte e Juiz de Fora; anúncio de empresa que compra, vende e aluga filmes; surge o cinema em casa em anúncio de dezembro de 1912 na revista Fon-Fon; desaparece quase que por completo o filme de enredo nacional, restringindo-se a produção brasileira à realização de cinejornais; domínio dos filmes estrangeiros; surgem publicações especializadas em cinema.
Ao longo desses 17 anos, tem-se um panorama completo do surgimento de uma nova forma de entretenimento no Brasil e de sua repercussão em termos comerciais e industriais. É uma história que já se tornou mais que centenária, mas ilustra bem a conexão entre evolução tecnológica e empreendedorismo, com muitos exemplos de inovação naqueles anos.

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