Assistir ao musical Os Miseráveis, dirigido por Tom Hooper, com a participação de Hugh Jackman, Russell Crowe e Anne Hathaway, foi uma experiência emocionante. É claro que o romance de Victor Hugo, do qual o musical da Broadway é uma adaptação que, em seguida, foi transformada no filme, narra uma estória que toca mesmo o mais insensível dos corações. Mas, ver essa história contada no formato de musical, acentua sua dramaticidade e acaba forçando uma reflexão sobre os caminhos humanos nesse planeta que habitamos.
Mas, para mim, Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen, que interpretam a Madame e Monsieur Thénardier estão tão bem ou melhor que Hugh Jackman e Anne Hathaway indicados para Oscar de melhor ator e melhor atriz coadjuvante. O filme também concorre ao Oscar desse ano. O casal vivido por Helena e Sacha, donos de uma estalagem, são apresentados em uma cena hilariante e muito dinâmica, na estalagem que conduzem, fazendo uma séries de trapaças e artimanhas com seus fregueses. Há um momento na cena, em que aparece uma máquina moedora de carnes, com os dois personagens preparando uma mistura que leva de tudo: carne de boi, fígado de cavalo, instestino de porco, rabo de gato, etc. Impossível não lembrar do mais recente escândalo da carne de cavalo encontrada nas lasanhas congeladas comercializadas na Inglaterra como se fossem feitas com carne bovina. Coincidência: o filme também é uma produção inglesa.
Esta cena do filme me trouxe à lembrança a noção da responsabilidade social corporativa. Esse tema é uma das formas com que a literatura em Administração tem abordado a questão da sustentabilidade. Há cerca de três décadas, a academia e a sociedade têm buscado soluções para os problemas de poluição ambiental, desigualdades sociais e desenvolvimento. A busca tem sido de um chamado desenvolvimento sustentável, que se baseia em um tripé: desenvolvimento econômico viável, com preservação do mundo em que vivemos de forma a não prejudicar as gerações futuras e com solidariedade social, visando a diminuição das desigualdades. No que diz respeito às empresas, isso se manifesta em decisões que seguem os princípios da responsabilidade social corporativa, atendendo interesses de todos os stakeholders: proprietários, empregados, clientes, fornecedores, comunidade do entorno. Ou seja, todos que possam ser afetados, positiva ou negativamente, por ações da administração de uma empresa.
Ora, o recente caso da carne de cavalo nas lasanhas congeladas é mais um exemplo de como a responsabilidade social corporativa é dificil de acontecer na prática. Nesse caso, o consumidor tem todo o direito de saber que está comprando gato por lebre, quer dizer, cavalo por boi! Mais ainda, é preciso ter certeza de que a carne não veio de cavalos tratados com substâncias que possam causar dano à saúde humana.
Na época retratada por Victor Hugo, essa discussão ainda não estava presente, o casal Thénardier podia produzir sua carne moída peculiar sem muita preocupação, mas hoje em dia esse comportamento é inaceitável. Mas, o romance de Victor Hugo mostrou uma situação de desigualdade social extrema, que ainda, em muitas partes de nosso mundo, está presente.
Enfim, continuo sendo cético em relação à possibilidade de uma prática de responsabilidade social corporativa nas empresas de nossa sociedade. Para mim, há um conflito primordial entre a noção de sustentabilidade, que orienta a responsabilidade social corporativa, e nosso modo de vida. Sustentabilidade é incompatível com a propriedade privada! Não é possível otimizar decisões que combinem aspectos econômicos, ambientais e sociais. Em nosso sistema de vida, a viabilidade econômica será sempre o fator dominante, e, assim sendo, se não for viável econômicamente, a ação será abandonada, ou terá suas preocupações sociais e ambientais diminuídas.
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