Para Sara,
que encontrei em um outono.
Hoje, ao acordar, a
primeira que coisa que fiz, após o carinhoso abraço de Sara, foi ler uma
crônica de Affonso Romano de Sant´Anna. Desde muito, o livro Tempo de
delicadeza, publicado pela L&PM no formato de bolso, estava no criado mudo
aguardando pelo meu olhar. Nessa crônica, que dá título ao livro, em
contraponto à vida cada vez mais áspera, violenta, rápida e grosseira, o poeta
nos convida à delicadeza, seja a de Ghandi, a de São Francisco ou até mesmo a de
Guevara.
Recentemente fiz uma
incursão em alguns escritos que tratam da ideia da sustentabilidade e do
desenvolvimento sustentável. Movido por um interesse profissional, me preparava
para o concurso de professor titular na Universidade Federal do Paraná, pude
apreciar de forma mais organizada a beleza desse sonho que é compartilhado por
um número crescente de pessoas, mas ao mesmo tempo, não pude deixar de
registrar os limites de sua possibilidade.
Na administração, os
princípios do desenvolvimento sustentável se refletem em discussões e
proposições sobre justiça organizacional, ética nos negócios, gestão
socioambiental, responsabilidade social corporativa, preocupação com os stakeholders, e outros temas. Em síntese,
o desejo da sustentabilidade pode ser resumido na busca por uma vida
confortável para todos, com uso consciente dos recursos naturais de que
dispomos, preservando nosso planeta para as futuras gerações. Tudo isso com
equidade social no acesso ao conhecimento e aos frutos da evolução do
conhecimento humano.
Mas, os desafios da
sustentabilidade são enormes. E, especialmente, conflituosos com nossa forma de
vida guiada pelo sistema capitalista de produção, acumulação e distribuição de
riqueza. Nessa sociedade em que o princípio do lucro se sobrepõe ao princípio
da equidade no bem viver para todos, a preocupação com práticas sustentáveis só
estará presente enquanto estas contribuírem para o lucro crescente. Qualquer
ameaça à lucratividade, poderá reduzir os esforços da responsabilidade social
corporativa. É isso que me faz indagar: é a sustentabilidade sustentável no
nosso modo de vida contemporâneo?
Quando foco minha
atenção para as pequenas empresas, percebo que essa fragilidade da aplicação da
responsabilidade social corporativa se acentua. Os desafios da sobrevivência e
da permanência, em um mercado dominado por grandes corporações, levam a um
predomínio da razão prática, deixando de lado a preocupação com o humano, no
sentido de relações de trabalho mais justas, por exemplo. Além disso, na própria
relação das grandes empresas com as pequenas, quando o desempenho
econômico-financeiro das primeiras pode ser diminuído, as práticas da responsabilidade
social corporativa são postas de lado. O mundo real está repleto de histórias.
Procure algum empreendedor de uma pequena empresa que negocia com as maiores e,
com certeza, algum caso poderá ser contado.
Mas, se você deseja ver
até que ponto a crueza e a violência desse convívio podem chegar, leia A
Caverna de José Saramago. Nesse romance Saramago narra as dificuldades do
oleiro Cipriano Algor. Cipriano descobre certo dia, que seus produtos não são
mais desejados pelo mercado e que ele, como diria um professor de estratégia,
precisa reposicionar sua empresa. É nessa tentativa que Cipriano vai se
relacionar com os administradores do Centro. Brilhante metáfora de Saramago
para essa figura imprecisa, mas onipresente em nossa vida, o Mercado. Nessa
relação é que, um dia, Cipriano ao terminar uma conversa com um dos gestores do
Centro, sai a refletir:
Se
te espetam uma faca na barriga, ao menos que tenham a decência moral de te
mostrarem uma cara que seja conforme com a acção assassina, uma cara que
ressumbre ódio e ferocidade, uma cara de furor demente, até mesmo de frieza
desumana, mas por amor de Deus, que não te sorriam enquanto te estiverem a
rasgar as tripas, que não te desprezem a esse ponto extremo, que não te deem
esperanças falsas,..
Se desejamos mesmo, que a
sustentabilidade seja uma presença concreta, ainda que intangível, na vida das
organizações, parece que transformações em nosso modo de vida precisam
anteceder à sustentabilidade. Em particular, a Administração precisa ser
ressignificada. Para isso, meus amigos Ariston e Paulo, já chamaram a atenção
quando disseram:
A administração é uma ação virtuosa.
Enquanto tal, ela se dá no âmbito das organizações, como formas sociais
modernas que produzem bens úteis. Embora o seu âmbito de ocorrência seja as
organizações, isto não significa dizer que as mesmas encerrem sua finalidade.
Pelo contrário, a finalidade da administração ultrapassa os fins
organizacionais, pois que está teleologicamente comprometida com a existência humana; não uma existência
qualquer, diga-se, mas aquela em que o homem vive bem (AZEVEDO; GRAVE, 2008).
Mais ainda,
...
importa perguntar qual a importância da administração para que possamos lograr
o alcance do viver bem coletivo? Se houver um fim humano último, ou bem
supremo, ou um bem maior, a administração deve contribuir para o seu alcance,
de modo, pelo menos, indireto; do contrário, a administração, como um ato que é
mundano, não teria sentido ou importância para a humanidade. Sendo o que é,
conforme estamos defendendo, tal fenômeno acaba por se nos apresentar como um
dos inúmeros instrumentos dos quais o homem se vale para resolver suas questões
de vida, especialmente as relacionadas ao seu cotidiano. Neste sentido, ela
estaria voltada para o bem, um bem que é coletivo, e não individual apenas,
como temos verificado cotidianamente
(AZEVEDO; GRAVE, 2008).
Para concluir Impossível,
para mim, não lembrar Dersu Uzala, filme de Akira Kurozawa lançado em 1975, e
merecedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 1976. O filme relata a
amizade que surge entre um caçador asiático e um capitão do exército russo, resgatado
pelo primeiro na Sibéria. Ao ser levado para a cidade, o caçador questiona os
padrões de vida da sociedade, em conflito acentuado com seus costumes. Inesquecível
para mim, mais de 30 anos depois de ter visto o filme, é uma cena em que Dersu (o caçador) depois de passar uma noite em uma
cabana no meio da mata, ao levantar-se de manhã, antes de partir, deixa tudo
muito limpo e organizado, dizendo que é preciso pensar naqueles que um dia
poderão precisar dessa cabana. Uma imagem incrivelmente bela e poética do que
precisamos fazer com nosso planeta. Ou seja, um mundo onde impere a delicadeza
proposta por Sant´Anna e praticada por Sara na gestão hospitalar que reflete
sua inspiração nos estudos da hospitalidade e seu aprendizado na vida profissional em uma pequena empresa e no seus tempos de maruja no Mykonos de Ubatuba.
P.S.: Não deixe de
ler o texto de Ariston e Paulo cuja referência é: AZEVÊDO, A.; GRAVE, P. S. Prolegômenos a toda administrologia possível:
administração - o que é isso?. In: XXXII Encontro Nacional da ANPAD, 2008, Rio
de Janeiro. Anais Eletrônicos do XXXII Encontro Anual da ANPAD, 2008.
Olá Gimenez,
ResponderExcluirtudo bem? Sabe bem o quanto luto para que a responsabilidade social corporativa ande de mãos dadas com o dia a dia na gestão empresarial e o quanto "brigo" para que isto seja entendido como importante e estratégico dentro das organizações.
Já que fez várias citações me sinto também à vontade em fazê-las. Melo Neto e Froes (1999, p. 81-82) alegam que a responsabilidade social da empresa está diretamente relacionada ao que a mesma utiliza, ao que chamam de “patrimônio da humanidade”. A empresa usa recursos naturais que não pertencem a ela, mas sim à sociedade, contraindo assim dívidas para com a mesma. Os autores entendem que deve haver uma reparação da usurpação empresarial, fonte geradora de lucro da empresa; devendo esta, em troca, contribuir para a solução dos problemas da sociedade. Destarte, a responsabilidade social passa a ser um compromisso da empresa, uma prestação de contas baseada na apropriação e uso de recursos que originariamente não lhe pertencem.
Continuando, os autores asseveram que os riscos da falta ou perda da responsabilidade social. Se a empresa deixa de cumprir suas obrigações sociais em relação a seus empregados, acionistas, consumidores, parceiros e comunidade ficam fadadas a perder o seu capital de responsabilidade social. Segundo os autores, estas empresas, ao descumprirem todos os fatores acima estipulados, não estão mais alinhando seus valores corporativos aos anseios da comunidade, distanciando-se da mesma, desprezando suas relações de vizinhança. Assim, acabam por se esquecer que esta comunidade desprezada é seu mercado; e, ainda que não seja seu mercado consumidor, será seu fornecedor de mão de obra e de serviços.
Fiquei muito feliz em poder comentar sobre o assunto pouco antes da minha defesa, que aborda a franquia social. Sabe que minha defesa não consiste em mera obtenção de certificação de mestrado, mas sim em algo que tento de todas as formas ajudar para que seja diferente,melhor e sobre tudo mais efetivo dentro das organizações. Utopia? Talvez...mas estou fazendo o que acredito...Por isso digo, sua discípula? Com certeza...
Obrigada por tudo "meu pai de outras vidas"!
Beijos para você e a Sara, e nos encontramos 19:30!
Roberta.
Apenas arrumando erro de digitação, "sobretudo"...rsrs
ResponderExcluirRoberta