terça-feira, 8 de maio de 2012

Trajetórias empresariais femininas: o encontro entre realidade e ficção

Para Kilda Maria

A literatura de empreendedorismo aborda com frequência as diferenças de percurso, de estilo, de desempenho e dificuldades enfrentadas pelas mulheres empresárias em comparação com seus pares masculinos. No caso das mulheres empreendedoras, entre as principais dificuldades para se inserirem no mundo empresarial, estas enfrentam maiores barreiras no acesso a fontes de financiamento e dificuldades associadas ao que se denomina dupla jornada de trabalho feminino, ou seja, a acumulação de atividades empresariais com as atividades do lar, como mães ou esposas, que são ainda culturalmente e socialmente determinadas como mais inerentes à mulher do que ao homem. Por outro lado, as filhas enfrentam maiores barreiras em processos sucessórios nas empresas familiares do que os filhos de fundadores. Muitas vezes, estas não são nem consideradas como potenciais sucessoras e ficam à margem de programas de preparação de sucessores naquelas empresas que se preparam com antecedência para o momento de transição.
Nosso grupo de pesquisa está envolvido em um projeto voltado para a identificação das trajetórias empresariais de mulheres que conseguiram vencer as barreiras do mundo empresarial e se tornaram dirigentes de empresas familiares ou criaram empresas próprias. Nesse estudo as trajetórias femininas serão descritas com base na percepção das mulheres sobre os seguintes aspectos: a) história de vida englobando origem familiar, composição da família e formação educacional; b) trajetória profissional com ênfase nas razões para empreender ou tornar-se dirigente empresarial e como se deu o envolvimento com a atividade empresarial; c) autopercepção como empreendedora ou dirigente empresarial explorando a conciliação entre os diferentes papéis exercidos, suas atividades e expectativas e aspirações pessoais e empresariais; e d) percepção do mundo de negócios com seus aspectos facilitadores e dificultadores do exercício do papel de empresária.
Estudos anteriores abordaram uma diversidade de aspectos das trajetórias femininas no mundo empresarial. Por exemplo, a conciliação trabalho-família é uma dimensão constantemente explorada. Outro aspecto frequente na literatura é a possível diferença de desempenho entre empresas criadas ou geridas por mulheres em comparação aos homens. É claro que possíveis diferenças não podem ser explicadas unicamente em função do gênero, mas alguns resultados apontam para um desempenho inferior das empresas das mulheres, o que evidencia a necessidade de explorar que condições estão associadas a este fenômeno. Não se pode aceitar que haja diferenças de competências empresariais entre homens e mulheres hoje em dia que poderiam levar a desempenhos diferentes. A participação feminina no mundo escolar e nas universidades é igual à masculina, portanto há outros fatores que estão causando essa diferença.
Outro foco de atenção os estudos relatados na literatura é a motivação para empreender. A professora Hilka Machado, da UEM, que é umas das pesquisadoras brasileiras de maior destaque no tema, evidenciou em seus estudos que as principais razões para empreender mencionadas por mulheres são a realização profissional. A percepção de uma oportunidade de mercado e a falta de perspectiva no emprego anterior ou desemprego.
No que diz respeito à forma de gestão das empresas, há evidências na literatura que reforçam a existência de diferenças estilísticas entre homens e mulheres. As mulheres tendem a um compartilhamento de informações e preocupação com o ensinamento de outros. Além disso, em geral, a maneira de gestão feminina tende a ser participativa e democrática. Outros aspectos mencionados na literatura são um ritmo de trabalho intenso, elevado nível de autoexigência e de seus colaboradores, com muita autoconfiança e obstinação.
Nossa expectativa em relação a esse projeto é aprofundar as discussões encontradas na literatura, mas também subsidiar a formulação de políticas públicas que incrementem efetivamente a inclusão das mulheres de forma mais acentuada no mundo dos negócios.
Mas, a inspiração para esse tipo de estudo não vem só da academia. Muitas vezes, os escritores da literatura de ficção são capazes de retratar o drama empreendedor muito acuradamente. Lembro-me do dia em que participei da defesa da tese de doutoramento da Jane Ferreira que fez um belíssimo estudo sobre cinco empresárias curitibanas, apresentado na tese “A ação de empreender sob a perspectiva sócio histórica de González Rey” que foi desenvolvida no Doutorado em Administração da Universidade Positivo. Nessa tese, Jane juntou uma excelente capacidade de análise científica com uma sensibilidade quase poética na descrição das cinco histórias empreendedoras.
Foi essa sensibilidade que me fez lembrar alguns contos do escritor peruano Julio Ramón Ribeyro publicados em sua coletânea “La palavra del mudo”, volume I. Esse escritor cuja obra conheci recentemente, no final de 2011, tem uma habilidade impressionante para narrar pequenas estórias. Entre elas, a estória de Mercedes que sonhava ter uma pequena quitanda, mas quis o destino que esse sonho teria que esperar um pouco mais. O conto se chama “Mientras arde la vela” e foi escrito em Paris, 1953. Ou então, a hilariante estória de um desempregado dando explicações a um policial sobre sua situação de embriaguês e como isto se relacionava ao seu plano de abrir uma empresa. Esses contos nos ajudam a compreender de forma mais completa a experiência humana de sonhar e empreender.
E é nessa toada, que recordo a experiência de Kilda Maria, minha irmã, que sonhou com e criou uma escola de línguas que entrou na vida de muitas crianças londrinenses durante os anos em que funcionou. Na Littera, Kilda pode experimentar os prazeres da realização pessoal, vivenciar as angústias da gestão cotidiana de uma pequena empresa, sofrer a dor da traição de uma sócia em que tanto confiava e aplicar seu estilo na lida com as suas colaboradoras. Mas, embora nunca tenhamos falado sobre isso, tenho certeza que ela guarda na memória muito mais as alegrias do que as dores do empreender e, assim como muitas empreendedoras, marcou a história de vida daquelas que com ela trabalharam.

Um comentário:

  1. Maíra,
    Uma boa observação. Nesse projeto vamos trabalhar só com aqueles que tiveram uma trajetória empresarial. Mas, há muito o que aprender com as que tentaram e não conseguiram. Há uma dificuldade em localizá-las. Mas, como esse projeto tem recursos limitados não pensamos em despender recursos tentando localizar as que não conseguiram. Há muitos estudos que investigaram a experiência de empreendedores e empreendedoras que fracassaram. Abraços

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