Para
Kilda Maria
A literatura de
empreendedorismo aborda com frequência as diferenças de percurso, de estilo, de
desempenho e dificuldades enfrentadas pelas mulheres empresárias em comparação
com seus pares masculinos. No caso das mulheres empreendedoras, entre as principais
dificuldades para se inserirem no mundo empresarial, estas enfrentam maiores
barreiras no acesso a fontes de financiamento e dificuldades associadas ao que
se denomina dupla jornada de trabalho feminino, ou seja, a acumulação de
atividades empresariais com as atividades do lar, como mães ou esposas, que são
ainda culturalmente e socialmente determinadas como mais inerentes à mulher do
que ao homem. Por outro lado, as filhas enfrentam maiores barreiras em
processos sucessórios nas empresas familiares do que os filhos de fundadores.
Muitas vezes, estas não são nem consideradas como potenciais sucessoras e ficam
à margem de programas de preparação de sucessores naquelas empresas que se
preparam com antecedência para o momento de transição.
Nosso grupo de pesquisa está envolvido
em um projeto voltado para a identificação das
trajetórias empresariais de mulheres que conseguiram vencer as barreiras do
mundo empresarial e se tornaram dirigentes de empresas familiares ou criaram
empresas próprias. Nesse estudo as trajetórias femininas serão descritas com
base na percepção das mulheres sobre os seguintes aspectos: a) história de vida
englobando origem familiar, composição da família e formação educacional; b)
trajetória profissional com ênfase nas razões para empreender ou tornar-se
dirigente empresarial e como se deu o envolvimento com a atividade empresarial;
c) autopercepção como empreendedora ou dirigente empresarial explorando a
conciliação entre os diferentes papéis exercidos, suas atividades e
expectativas e aspirações pessoais e empresariais; e d) percepção do mundo de
negócios com seus aspectos facilitadores e dificultadores do exercício do papel
de empresária.
Estudos anteriores
abordaram uma diversidade de aspectos das trajetórias femininas no mundo
empresarial. Por exemplo, a conciliação trabalho-família é uma dimensão
constantemente explorada. Outro aspecto frequente na literatura é a possível
diferença de desempenho entre empresas criadas ou geridas por mulheres em
comparação aos homens. É claro que possíveis diferenças não podem ser
explicadas unicamente em função do gênero, mas alguns resultados apontam para
um desempenho inferior das empresas das mulheres, o que evidencia a necessidade
de explorar que condições estão associadas a este fenômeno. Não se pode aceitar
que haja diferenças de competências empresariais entre homens e mulheres hoje
em dia que poderiam levar a desempenhos diferentes. A participação feminina no
mundo escolar e nas universidades é igual à masculina, portanto há outros
fatores que estão causando essa diferença.
Outro foco de atenção os
estudos relatados na literatura é a motivação para empreender. A professora
Hilka Machado, da UEM, que é umas das pesquisadoras brasileiras de maior
destaque no tema, evidenciou em seus estudos que as principais razões para
empreender mencionadas por mulheres são a realização profissional. A percepção
de uma oportunidade de mercado e a falta de perspectiva no emprego anterior ou
desemprego.
No que diz respeito à
forma de gestão das empresas, há evidências na literatura que reforçam a
existência de diferenças estilísticas entre homens e mulheres. As mulheres
tendem a um compartilhamento de informações e
preocupação com o ensinamento de outros. Além disso, em geral, a maneira de
gestão feminina tende a ser participativa e democrática. Outros aspectos
mencionados na literatura são um ritmo de trabalho intenso, elevado
nível de autoexigência e de seus colaboradores, com muita autoconfiança e
obstinação.
Nossa expectativa em
relação a esse projeto é aprofundar as discussões encontradas na literatura,
mas também subsidiar a formulação de políticas públicas que incrementem
efetivamente a inclusão das mulheres de forma mais acentuada no mundo dos
negócios.
Mas, a inspiração para
esse tipo de estudo não vem só da academia. Muitas vezes, os escritores da
literatura de ficção são capazes de retratar o drama empreendedor muito
acuradamente. Lembro-me do dia em que participei da defesa da tese de
doutoramento da Jane Ferreira que fez um belíssimo estudo sobre cinco empresárias
curitibanas, apresentado na tese “A ação de empreender sob a perspectiva sócio
histórica de González Rey” que foi desenvolvida no Doutorado em Administração
da Universidade Positivo. Nessa tese, Jane juntou uma excelente capacidade de
análise científica com uma sensibilidade quase poética na descrição das cinco
histórias empreendedoras.
Foi essa sensibilidade que
me fez lembrar alguns contos do escritor peruano Julio Ramón Ribeyro publicados
em sua coletânea “La palavra del mudo”, volume I. Esse escritor cuja obra conheci
recentemente, no final de 2011, tem uma habilidade impressionante para narrar
pequenas estórias. Entre elas, a estória de Mercedes que sonhava ter uma
pequena quitanda, mas quis o destino que esse sonho teria que esperar um pouco
mais. O conto se chama “Mientras arde la vela” e foi escrito em Paris, 1953. Ou
então, a hilariante estória de um desempregado dando explicações a um policial
sobre sua situação de embriaguês e como isto se relacionava ao seu plano de
abrir uma empresa. Esses contos nos ajudam a compreender de forma mais completa
a experiência humana de sonhar e empreender.
E é nessa toada, que
recordo a experiência de Kilda Maria, minha irmã, que sonhou com e criou uma
escola de línguas que entrou na vida de muitas crianças londrinenses durante os
anos em que funcionou. Na Littera, Kilda pode experimentar os prazeres da
realização pessoal, vivenciar as angústias da gestão cotidiana de uma pequena
empresa, sofrer a dor da traição de uma sócia em que tanto confiava e aplicar
seu estilo na lida com as suas colaboradoras. Mas, embora nunca tenhamos falado
sobre isso, tenho certeza que ela guarda na memória muito mais as alegrias do
que as dores do empreender e, assim como muitas empreendedoras, marcou a
história de vida daquelas que com ela trabalharam.
Maíra,
ResponderExcluirUma boa observação. Nesse projeto vamos trabalhar só com aqueles que tiveram uma trajetória empresarial. Mas, há muito o que aprender com as que tentaram e não conseguiram. Há uma dificuldade em localizá-las. Mas, como esse projeto tem recursos limitados não pensamos em despender recursos tentando localizar as que não conseguiram. Há muitos estudos que investigaram a experiência de empreendedores e empreendedoras que fracassaram. Abraços