Entre
as 13 horas da última quarta-feira e as 17 horas de hoje, vivenciei duas
situações inusitadas que me fizeram refletir sobre como construímos nossa visão
de mundo. Na literatura sobre empreendedorismo, encontram-se muitos estudos que
procuram explicar as formas como esse fenômeno ocorre buscando explicações nos
modelos mentais que homens e mulheres utilizam em momentos de decisão empreendedora.
Um
dos aspectos que é frequentemente tratado diz respeito à existência de modelos
que guiam as escolhas feitas por empreendedoras e empreendedores nos momentos
iniciais da criação de um empreendimento. Ora, a existência de alguém que serve
de guia sobre como agir durante o processo empreendedor nada mais é do que um
modelo mental que as pessoas desenvolvem, ao longo de sua vida, sobre o que
significa ser empreendedor.
São
muitos os possíveis modelos que são citados em pesquisas com empreendedores. As
figuras maternas e paternas, quando empreendedoras, costumam estar entre os
mais citados. Modelos podem ser construídos, também, a partir do convívio com
outros empreendedores, muitas vezes em uma relação de emprego. Outros são pessoas
que são apresentadas na mídia de negócios como empresários bem sucedidos.
Relações de amizade são fonte de inspiração para modos de agir empreendedores.
Na verdade, os indivíduos que são citados em levantamentos com homens e
mulheres que criaram empresas ou outras organizações são tão diversificados quantos
são os papéis que pessoas podem exercer em nossa vida.
Isso
implica, na minha percepção, que ao invés de elencarmos quais são os possíveis
modelos, seria mais útil tentar entender por que praticamente todos aqueles que
empreenderam reconhecem a existência de referências empreendedoras em seus
modelos mentais. A busca desse porquê
deve nos revelar, é minha hipótese, que os modelos são percebidos como
indicadores de escolhas bem sucedidas e a imitação de seus passos causa uma
sensação de maior segurança ou menor incerteza para aqueles que empreendem.
Uma
situação interessante é quando alguém nos aponta um modelo negativo ou um antimodelo.
Isto é, uma referência que é tida como o oposto daquilo que a empreendedora ou
empreendedor pensa que deva ser a forma mais correta de agir. De qualquer forma,
o antimodelo não deixa de ser uma referência que guia decisões no processo
empreendedor.
Por
outro lado, obviamente, seja um modelo ou um antimodelo, os dois são fontes
limitadas de orientações, pois a complexidade do processo empreendedor impede
sua emulação integral, assim como a impossibilidade de alguém conhecer toda a
trajetória empreendedora de seu modelo acarreta momentos de decisão em que não
há como se inspirar nos modelos. Aliás, você há de convir comigo, se o processo
empreendedor fosse apenas uma questão de imitação seria muito chato!
Mas,
de qualquer forma meu caro leitor, os modelos existem, e são parte do modelo
mental mais amplo de empreendedores e empreendedoras. E, ainda mais, é prática
comum na literatura mais prescritiva e nos programas de fomento ao
empreendedorismo a utilização de empreendedores mais experientes como tutores
de empreendedores iniciantes que dão sugestões de como os noviços devem se
posicionar em suas escolhas empreendedoras. Essa prática faz sentido porque
temos a crença de que muitas situações no processo empreendedor se repetem nas
diversas trajetórias empreendedoras e ao sugerir a adoção de tutores a
literatura reforça essa noção de que modelos são relevantes no processo
empreendedor. A vantagem é que com tutores o modelo ganha voz. É possível
dialogar com um tutor ao passo que com um modelo abstrato as decisões são guiadas por uma
percepção ou imaginação de como o modelo agiria em cada situação.
Nessa
altura do texto, é quase visível algo que deve estar na sua mente minha cara
leitora e meu prezado leitor. E não é um modelo mental! É uma pergunta:
_ Mas
afinal Fernando, quais foram as duas situações que você vivenciou entre as 13
horas da última quarta-feira e as 17 horas de hoje? E o que elas tem a ver com
essa lenga-lenga sobre modelos, antiimodelos e tutores empreendedores?
Calma,
já vou falar disso!
Na
verdade, o que me aconteceu, foi que essas duas situações me levaram a
questionar a utilidade de tentarmos entender o papel de modelos mentais que são
referência para empreendedoras e empreendedores. Se você pensar bem, talvez
concorde mais uma vez comigo, espero não estar pedindo muito de você. Mas, indo
direto ao ponto, depois do que vivi nessas situações separadas por um período de
100 horas, cheguei a conclusão que a necessidade de referências que nos guiem,
fazem parte de toda nossa existência. Não há utilidade nenhuma em investigarmos
a existência e o papel que modelos exercem no processo empreendedor. Se na
nossa vida sempre precisamos de modelos, essas referências não nos ajudam a
esclarecer o empreendedorismo em particular. Energia desnecessária sendo gasta
em pergunta de pesquisa irrelevante!
Antes
que você se irrite ainda mais, vamos às situações. Na quarta-feira passada precisei descobrir como chegar de ônibus até próximo do estádio do Atlético tendo como
ponto de partida a estação tubo em frente ao Museu Oscar Niemeyer. Poderia ter
perguntado ao google, mas entrei na estação tubo e perguntei à cobradora, que
em meu modelo mental, era e melhor pessoa para me guiar. Ela não soube me
dizer! Mas, para minha sorte, estava na estação tubo um passageiro cego que me
disse:
_
Desça na estação Comendador Franco, peque o Santa Cândida Pinheirinho e vá até
a estação Água Verde. É o mais próximo que você pode chegar sem pagar outra
passagem de ônibus.
Fui
guiado por um cego! Legal, né? O cego conhecia mais dos trajetos do que uma
cobradora aparentemente bem dotada de visão. O que aprendi com isso? Algumas
vezes, nosso modelo de referência pode ser inútil! Em sua trajetória de vida
pode não ter passado pela experiência na qual precisamos de orientação. Tenho
certeza que muitas empreendedoras e muitos empreendedores já enfrentaram
situação semelhante: o modelo falhou! Espero que tenham encontrado um cego com
conhecimento para ajuda-las ou orientá-los.
A
outra situação me sugeriu a suspeita de que modelos e referências podem ser
onipresentes em nossa vida. Ou seja, sempre há referências que assumimos como
modelos dos quais tentamos nos aproximar por meio da imitação de seus atos. Como cheguei a
essa conclusão? Por meio de uma pergunta que me fez uma jovem estudante de
cinema hoje à tarde.
Entre
15 e 17 horas de hoje, dei uma palestra para um grupo de jovens que estão
participando de um programa que os está capacitando para atuação na produção de
audiovisual. Falei sobre Economia Criativa, Sustentabilidade, Cinema e
Empreendedorismo. Foi uma experiência ímpar para mim, pois foi a primeira vez
que falei sobre Cinema, este campo de atividade para o qual aos poucos vou me
direcionando. Ao final da palestra, quando estávamos conversando e trocando
impressões sobre o mundo do cinema e as possibilidades de empreender no setor
de audiovisual, Camila me fez uma pergunta:
_
Fernando, quais são suas referências? Na música, na literatura, no cinema?
Veja
você, foi a primeira vez que alguém me pergunta sobre minhas referências e não
se referia ao campo da Administração. De repente, com essa pergunta, percebi
que há modelos na minha mente que não têm nada a ver com empreendedorismo e
gestão de pequenas empresas. Não sei se você é capaz de imaginar o quanto essa
pergunta da jovem Camila me fez bem! Poder falar de referências que não eram
Mintzberg, Schumpeter, Miles e Snow, Filion, entre outros. De repente, lá
estava eu falando de Jornada nas Estrelas, Chico Buarque, Dalton Trevisan,
Kubrick, Buñuel, Vinicius de Moraes, Domingos Pellegrini. Machado de Assis, ...
Há
modelos em minha mente que não têm nada a ver com a forma com que lido com o
processo de pesquisa em empreendedorismo e gestão de pequenas empresas. Deve
haver outros! É só alguém fazer a pergunta certa!
Mas,
se modelos fazem parte de todas as facetas de minha vida, eles devem fazer
parte de todas as facetas da vidas de homens e mulheres que empreendem. Não é
nada peculiar dos empreendedores! Assim, o ganho de conhecimento que essa
informação pode nos trazer é muito pequeno! Deve haver outras perguntas melhores
a serem feitas para que compreendamos mais sobre o processo empreendedor.
Enfim,
essa história ficou mais longa do que eu esperava. No entato, consegui fazer
algo que estava na minha cabeça desde quarta-feira: tenho que usar a situação do
guia cego em algum texto sobre empreendedorismo.
Graças à pergunta da Camila,
as coisas se encaixaram, e a vida mais uma vez fez sentido!
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