domingo, 7 de dezembro de 2014

A cobradora de ônibus, o guia cego, a jovem estudante de cinema e o empreendedorismo: como eles se encaixam?

Entre as 13 horas da última quarta-feira e as 17 horas de hoje, vivenciei duas situações inusitadas que me fizeram refletir sobre como construímos nossa visão de mundo. Na literatura sobre empreendedorismo, encontram-se muitos estudos que procuram explicar as formas como esse fenômeno ocorre buscando explicações nos modelos mentais que homens e mulheres utilizam em momentos de decisão empreendedora.
Um dos aspectos que é frequentemente tratado diz respeito à existência de modelos que guiam as escolhas feitas por empreendedoras e empreendedores nos momentos iniciais da criação de um empreendimento. Ora, a existência de alguém que serve de guia sobre como agir durante o processo empreendedor nada mais é do que um modelo mental que as pessoas desenvolvem, ao longo de sua vida, sobre o que significa ser empreendedor.
São muitos os possíveis modelos que são citados em pesquisas com empreendedores. As figuras maternas e paternas, quando empreendedoras, costumam estar entre os mais citados. Modelos podem ser construídos, também, a partir do convívio com outros empreendedores, muitas vezes em uma relação de emprego. Outros são pessoas que são apresentadas na mídia de negócios como empresários bem sucedidos. Relações de amizade são fonte de inspiração para modos de agir empreendedores. Na verdade, os indivíduos que são citados em levantamentos com homens e mulheres que criaram empresas ou outras organizações são tão diversificados quantos são os papéis que pessoas podem exercer em nossa vida.
Isso implica, na minha percepção, que ao invés de elencarmos quais são os possíveis modelos, seria mais útil tentar entender por que praticamente todos aqueles que empreenderam reconhecem a existência de referências empreendedoras em seus modelos mentais.  A busca desse porquê deve nos revelar, é minha hipótese, que os modelos são percebidos como indicadores de escolhas bem sucedidas e a imitação de seus passos causa uma sensação de maior segurança ou menor incerteza para aqueles que empreendem.
Uma situação interessante é quando alguém nos aponta um modelo negativo ou um antimodelo. Isto é, uma referência que é tida como o oposto daquilo que a empreendedora ou empreendedor pensa que deva ser a forma mais correta de agir. De qualquer forma, o antimodelo não deixa de ser uma referência que guia decisões no processo empreendedor.
Por outro lado, obviamente, seja um modelo ou um antimodelo, os dois são fontes limitadas de orientações, pois a complexidade do processo empreendedor impede sua emulação integral, assim como a impossibilidade de alguém conhecer toda a trajetória empreendedora de seu modelo acarreta momentos de decisão em que não há como se inspirar nos modelos. Aliás, você há de convir comigo, se o processo empreendedor fosse apenas uma questão de imitação seria muito chato!
Mas, de qualquer forma meu caro leitor, os modelos existem, e são parte do modelo mental mais amplo de empreendedores e empreendedoras. E, ainda mais, é prática comum na literatura mais prescritiva e nos programas de fomento ao empreendedorismo a utilização de empreendedores mais experientes como tutores de empreendedores iniciantes que dão sugestões de como os noviços devem se posicionar em suas escolhas empreendedoras. Essa prática faz sentido porque temos a crença de que muitas situações no processo empreendedor se repetem nas diversas trajetórias empreendedoras e ao sugerir a adoção de tutores a literatura reforça essa noção de que modelos são relevantes no processo empreendedor. A vantagem é que com tutores o modelo ganha voz. É possível dialogar com um tutor ao passo que com um modelo abstrato as decisões são guiadas por uma percepção ou imaginação de como o modelo agiria em cada situação.
Nessa altura do texto, é quase visível algo que deve estar na sua mente minha cara leitora e meu prezado leitor. E não é um modelo mental! É uma pergunta:
_ Mas afinal Fernando, quais foram as duas situações que você vivenciou entre as 13 horas da última quarta-feira e as 17 horas de hoje? E o que elas tem a ver com essa lenga-lenga sobre modelos, antiimodelos e tutores empreendedores?
Calma, já vou falar disso!
Na verdade, o que me aconteceu, foi que essas duas situações me levaram a questionar a utilidade de tentarmos entender o papel de modelos mentais que são referência para empreendedoras e empreendedores. Se você pensar bem, talvez concorde mais uma vez comigo, espero não estar pedindo muito de você. Mas, indo direto ao ponto, depois do que vivi nessas situações separadas por um período de 100 horas, cheguei a conclusão que a necessidade de referências que nos guiem, fazem parte de toda nossa existência. Não há utilidade nenhuma em investigarmos a existência e o papel que modelos exercem no processo empreendedor. Se na nossa vida sempre precisamos de modelos, essas referências não nos ajudam a esclarecer o empreendedorismo em particular. Energia desnecessária sendo gasta em pergunta de pesquisa irrelevante!
Antes que você se irrite ainda mais, vamos às situações. Na quarta-feira passada precisei descobrir como chegar de ônibus até próximo do estádio do Atlético tendo como ponto de partida a estação tubo em frente ao Museu Oscar Niemeyer. Poderia ter perguntado ao google, mas entrei na estação tubo e perguntei à cobradora, que em meu modelo mental, era e melhor pessoa para me guiar. Ela não soube me dizer! Mas, para minha sorte, estava na estação tubo um passageiro cego que me disse:
_ Desça na estação Comendador Franco, peque o Santa Cândida Pinheirinho e vá até a estação Água Verde. É o mais próximo que você pode chegar sem pagar outra passagem de ônibus.
Fui guiado por um cego! Legal, né? O cego conhecia mais dos trajetos do que uma cobradora aparentemente bem dotada de visão. O que aprendi com isso? Algumas vezes, nosso modelo de referência pode ser inútil! Em sua trajetória de vida pode não ter passado pela experiência na qual precisamos de orientação. Tenho certeza que muitas empreendedoras e muitos empreendedores já enfrentaram situação semelhante: o modelo falhou! Espero que tenham encontrado um cego com conhecimento para ajuda-las ou orientá-los.
A outra situação me sugeriu a suspeita de que modelos e referências podem ser onipresentes em nossa vida. Ou seja, sempre há referências que assumimos como modelos dos quais tentamos nos aproximar por meio da imitação de seus atos. Como cheguei a essa conclusão? Por meio de uma pergunta que me fez uma jovem estudante de cinema hoje à tarde.
Entre 15 e 17 horas de hoje, dei uma palestra para um grupo de jovens que estão participando de um programa que os está capacitando para atuação na produção de audiovisual. Falei sobre Economia Criativa, Sustentabilidade, Cinema e Empreendedorismo. Foi uma experiência ímpar para mim, pois foi a primeira vez que falei sobre Cinema, este campo de atividade para o qual aos poucos vou me direcionando. Ao final da palestra, quando estávamos conversando e trocando impressões sobre o mundo do cinema e as possibilidades de empreender no setor de audiovisual, Camila me fez uma pergunta:
_ Fernando, quais são suas referências? Na música, na literatura, no cinema?
Veja você, foi a primeira vez que alguém me pergunta sobre minhas referências e não se referia ao campo da Administração. De repente, com essa pergunta, percebi que há modelos na minha mente que não têm nada a ver com empreendedorismo e gestão de pequenas empresas. Não sei se você é capaz de imaginar o quanto essa pergunta da jovem Camila me fez bem! Poder falar de referências que não eram Mintzberg, Schumpeter, Miles e Snow, Filion, entre outros. De repente, lá estava eu falando de Jornada nas Estrelas, Chico Buarque, Dalton Trevisan, Kubrick, Buñuel, Vinicius de Moraes, Domingos Pellegrini. Machado de Assis, ...
Há modelos em minha mente que não têm nada a ver com a forma com que lido com o processo de pesquisa em empreendedorismo e gestão de pequenas empresas. Deve haver outros! É só alguém fazer a pergunta certa!
Mas, se modelos fazem parte de todas as facetas de minha vida, eles devem fazer parte de todas as facetas da vidas de homens e mulheres que empreendem. Não é nada peculiar dos empreendedores! Assim, o ganho de conhecimento que essa informação pode nos trazer é muito pequeno! Deve haver outras perguntas melhores a serem feitas para que compreendamos mais sobre o processo empreendedor.
Enfim, essa história ficou mais longa do que eu esperava. No entato, consegui fazer algo que estava na minha cabeça desde quarta-feira: tenho que usar a situação do guia cego em algum texto sobre empreendedorismo.
Graças à pergunta da Camila, as coisas se encaixaram, e a vida mais uma vez fez sentido!

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