domingo, 29 de abril de 2012

Autores involuntários? ou "Há só uma porta para o universo acadêmico?"

Ouvi rumores de que em uma instituição de ensino federal, uma aluna de pós-graduação processou seu orientador por este ter encaminhado para um periódico acadêmico e conseguido a publicação de um artigo baseado em seu trabalho de conclusão de curso, não sei se dissertação ou tese. É claro que o orientador tomou o cuidado de incluir a aluna como coautora do trabalho, mas aparentemente esta não concordou com essa atitude do orientador, pois não foi consultada sobre o interesse em ter uma publicação de seu trabalho no formato de artigo.
O resultado desse processo eu não sei, mas há algumas instituições que estão solicitando que os ingressantes em seus cursos de mestrado e doutorado assinem uma autorização para que o seu trabalho de dissertação ou tese seja convertido em artigo e encaminhado para publicação, se o pós-graduando não tomar essa iniciativa em determinado prazo. Para mim é algo simplesmente inacreditável! Amazing! Como diria minha amiga Gertrud, professora de inglês, que a cada dez palavras em suas falas insere uma na língua inglesa.
Será esse tipo de atitude, mais um sintoma dessa busca insana pela produção acadêmica custe o que custar que tem assolado os programas de pós-graduação brasileiros, na tentativa de atingir a meta de pontos trienal que garantem uma boa avaliação na CAPES e, algumas vezes, bônus salariais de variados montantes? É o lema do "publique ou pereça", "publish or perish" na lingua inglesa, que domina os meios de divulgação acadêmica em muitos campos do saber.
Pois é, fiquei muito surpreso com estas novidades. Há muito tempo, os professores da pós-graduação compartilham com seus orientandos inúmeras publicações que se originam dos esforços realizados por ambos em pesquisas que conduzem a uma dissertação de mestrado ou uma tese de doutorado. Implícito nessa prática está a necessária atuação cooperada pela qual o orientador, além de ter dirigido os esforços de seus orientandos ao longo da pós-graduação, se envolve ativamente na construção das versões resumidas desses trabalhos ou na exploração de aspectos específicos de cada dissertação ou tese que são veiculadas nos periódicos acadêmicos. Mas, a dissertação e a tese são, pelo menos no Brasil e na maioria dos países, de autoria do pós-graduando. Nenhum orientador aparece como autor em uma dissertação de mestrado ou tese de doutorado, a não ser naquelas que escreveu quando se tornou mestre ou doutor. Ora, a extração de parte de uma tese ou dissertação e sua redação em formato de artigo só pode ser feita por iniciativa de seus autores. A inclusão de orientadores como coautores é algo que só pode ocorrer quando estes realmente se envolvem na redação do artigo. Parece-me tão evidente isso, que encaro a adoção dessas práticas institucionais como uma tentativa desesperada de aumentar a produção científica de um programa de pós-graduação para ficar bem na foto trienal que é enviada à CAPES. A quantidade estaria substituindo a qualidade?
Será que não podemos aceitar o fato de que alguns de nossos orientandos não desejam ter seus trabalhos de mestrado e doutorado divulgados em outros espaços? Será que toda dissertação de mestrado e tese de doutorado apresenta resultados que adicionam conhecimento novo relevante para a academia e devem ser obrigatoriamente divulgados em periódicos acadêmicos? Será que é difícil acreditar que a eficácia de um curso de mestrado e doutorado pode residir no próprio processo de conhecer um campo do saber, em alguma especialidade, que se concretiza objetivamente na produção de um texto final avaliado por uma banca? Será que não podemos acreditar que os novos mestres e doutores passam por esse rito de passagem e, ao longo de suas vidas, terão a competência e a apetência para novos estudos que publicarão se julgarem conveniente e se os editores dos periódicos acadêmicos deixarem? Será que não podemos resistir um pouco a essa pressão pela publicação?
Hoje à tarde assisti ao "Um método perigoso", filme dirigido por David Cronenberg que relata parte da vida de Carl Jung, seu envolvimento com Sabina Spielrein, que foi sua paciente, tornou-se sua amante e depois se formou em medicina indo para sua terra natal na Rússia exercer a psicanálise até 1941, quando foi morta por um esquadrão nazista. O filme retrata também a relação entre Jung e Sigmund Freud, que no inicio foi uma de mestre e discípulo, com a manifesta admiração mútua entre Jung e Freud, mas que depois terminou com um rompimento e distanciamento entre ambos. Duas cenas do filme me chamaram a atenção. Na primeira, quando Jung vai a Viena se encontrar com Freud, o primeiro se refere ao segundo comparando-o ao astrônomo Galileu Galilei, pois como a ele, seus opositores o criticavam sem "ao menos olhar pelo telescópio". Logo depois, na cena seguinte, conversando com Sabina, Jung comenta a resistência manifestada por Freud em considerar outros aspectos na psicanálise além do sexo. Nesse momento Jung comenta: "´Será que não há outras portas para o universo?"
Pois é, eu acho que há muitas portas para o mundo acadêmico! Não obriguemos todos a passarem pela mesma!

3 comentários:

  1. Penso no relacionamento conflituoso que eles devem ter tido durante a orientação. É uma pena! Gostaria que todos tivessem a experiência que tive ao descobrir as maravilhas e decepções da pesquisa sempre sendo "cuidada" pelo meu orientador: Fernando Gimenez
    Grande abraço meu amigo
    Jane

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  2. Gimenez, gosto de você porque fala e escreve o que pensa. Te garanto que qualquer programa de mestrado e doutorado não gostaria de ler suas verdadeiras colocações.
    Ainda, os orientados devem ter liberdade de expressão, no sentido também de quererem ou não publicar algo seu.
    Conheço histórias muito piores, em que orientadores usam o artigo feito pelo orientando e nem seu nome inserem...onde está a ética disso tudo? Qual o verdadeiro propósito do conhecimento?
    Que bom ter alguém que pensa, escreve e assina ao defender suas ideias ! E sem medo de ser feliz!!!!
    Beijos! Roberta.

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