A capa da Revista Bravo, 176, de abril de 2012, traz uma bela foto de Antonio Fagundes, esse brilhante ator brasileiro, com parte do rosto e da camisa manchados de vermelho. A princípio pode-se pensar que é uma imagem produzida por meio dessas maravilhas tecnológicas da computação que temos à nossa disposição hoje em dia. No entanto, na Carta da Redação, Armando Antenore, redator chefe da Bravo, explica que a capa foi o resultado de um ensaio fotográfico que contou com a generosidade do ator em se submeter a vários banhos de tinta guachee vermelha lançados pela equipe liderada por Valéria Mendonça, editora de fotografia, e Dani de Lamare, produtora.
Nas palavras das duas: "Jogamos copos e copos de guache no rosto do artista até alcançar o efeito que desejavámos. A imagem final talvez pareça milimetricamente calculada, mas o seu impacto está justo no fato de que há nela boa dose de acaso. Ou, se você preferir, de erro. Todos nos preparamos bastante para a missão...Procuramos a tinta mais adequada, montamos a luz, descolamos o figurino minimalista. Mesmo assim, na hora H, as coisas desandaram um pouco..." Depois de várias tentativas, segundo elas, com Antonio Fagundes aguentando firme, a mira do Theo Carias (maquilador) e as lentes do Daniel Klajmic (fotógrafo) "encontraram a perfeita sintonia".
A descrição dessa produção me fez refletir sobre o desenvolvimento da visão empreendedora como guia principal do processo de empreender. O empreendedorismo tem sido descrito recentemente como um processo de criação ou percepção de uma oportunidade que é posteriormente avaliada e explorada com fins empresariais ou sociais. Esse processo, que no meu ver é essencialmente um ato de criação, distinto das fases posteriores de gestão do empreendimento, pode resultar em uma nova empresa, uma nova unidade de negócio em uma corporação, um projeto social ou de governo que atende a uma demanda de parte da população, novos produtos ou processos que são incorporados a organizações já existentes. Filion, o pesquisador canadense, já comentou muito sobre o processso visionário de empreendedores, que para ele também é o início do ato de empreender.
No entanto, a visão do futuro empreendimento é geralmente imprecisa, com contornos indefinidos, e conforme o empreendedor procura transformar a oportunidade em algo concreto, a visão vai se transformando, ajustando-se aos acertos e erros de uma ação humana que não é, nem pode ser, exata, no sentido quantitativo da palavra. Entendo que é um processo muito parecido com a produção da foto de capa da Bravo.
Embora a ação de emprender não possa ser milimetricamente planejada, ela pode, também, assim como a fotografia, se apoiar em uma técnica para que surja eventualmente em um formato próximo da visão imaginada pela pessoa ou grupo de pessoas que empreende. Há na literatura uma difusão muito antiga do plano de negócio como uma ferramenta que está à disposição daqueles que querem empreender. Nos inúmeros manuais de planos de negócios, apresentam-se diversas técnicas que podem ser usadas no planejamento de um novo empreendimento: análise da qualidade do negócio, posicionamento competitivo, ponto de equilíbrio, fluxo de caixa e taxa interna de retorno, alinhamento entre competências organizacionais e de potenciais colaboradores, divisão de tarefas e criação de mecanismos de coordenação, entre outras.
Mas, não quero comentar sobre plano de negócios que, embora utéis, nem sempre são essenciais para a criação de novos empreendimentos. Para desespero dos consultores, e de alguns pesquisadores, que apregoam sua infalibilidade!
Quando estava fazendo meu mestrado, trés décadas atrás, fiz uma disciplina com o Prof. Scaico, relacionada com a análise sistêmica de organizações. Entre as coisas muito bacanas que aprendi naquela época, me lembro do Prof. Scaico dizendo que para entendermos um sistema, precisamos pintar suas cores. Em seguida nos deu um acrônimo: CORES. Um sistema é um conjunto de Componentes, que tem um Objetivo comum, transformando sob Restrições, Entradas em Saídas. Ou seja, para entender um novo empreendimento, por exemplo, eu preciso saber quais serão suas partes, para que ele vai existir, qual é o seu contexto em termos de facilidades e dificuldades, que recursos necessita para transformar produtos em serviços.
Assim, se uma pessoa envolvida na exploração de uma oportunidade, é capaz de dar as cores para seu empreendimento, a possibilidade do resultado ser positivo, ou seja, o novo empreendimento surgir no mercado ou na sociedade, é maior. A inspiração da visão guiando as escolhas das cores do empreendimento se manifesta em um equilíbrio dinâmico que transforma a visão, depois de vários acertos e erros, em algo concreto que se tornará útil a toda a sociedade. O acaso e a intenção conspiram juntos para que visão e técnica encontrem a perfeita sintonia.
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