O VII Encontro de Estudos sobre Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas - EGEPE aconteceu entre os dias 28 e 30 de março passado em Florianópolis. Dessa vez, sob a tutela da ANEGEPE - Associação dos Pesquisadores em Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas criada em fevereiro de 2011, a parceria com a UDESC, UNIVALI e FURB contou com apoio do SEBRAE nacional e recebeu recursos da CAPES e da FAPESC. Esse reconhecimento institucional da principal agência de estímulo ao empreendedorismo no Brasil e de duas instituições de fomento à pesquisa, uma nacional e outra estadual, revelam o reconhecimento do EGEPE como um espaço relevante para a troca de conhecimentos e experiências nesse campo.
Uma programação extensa contando com a apresentação de 275 trabalhos, 4 mesas redondas, uma palestra de abertura com Shaker Zahra, pesquisador reconhecido internacionalmente por suas contribuições à compreensão do empreendedorismo, movimentou as instalações da ESAG na UDESC com a presença de quase três centenas de pessoas.
Meu amigo Cândido da Universidade Federal de Goiânia sugeriu a realização de um debate sobre a produtividade e relevância da pesquisa em empreendedorismo e gestão de pequenas empresas no Brasil. Para que isso fosse possível, ele e Éverton, que esteve à frente da organização do VII EGEPE, convidaram Hilka, Juvêncio e eu para iniciarmos a conversa em mesa redonda que aconteceu no dia 30 pela manhã.
Coube à mim dar início à conversa após breve introdução feita pelo Cândido quando ele externou sua motivação para ter feito a proposição da mesa redonda no VII EGEPE. Para Cândido, parece que os pesquisadores vinculados aos dois temas e seus estudos têm tido pouca repercussão fora do âmbito acadêmico. Parece que o mercado e as instituições públicas acabam privilegiando em suas consultas modelos originários de consultorias e de outras fontes para respaldar suas decisões. Ou seja, em outras palavras, estaríamos em uma crise existencial acadêmica?
Inspirado nas palavras de Cândido, me lembrei de um conto de Lygia Fagundes Telles - Jardim Selvagem - no qual Ducha, uma menina que mora com duas tias conta a história de seu tio Ed e sua mulher. Como tio Ed morava afastado da cidade, o contato com ele não era muito frequente, mas certo dia ele chega na casa das irmãs e conta que havia casado. Ducha ficou impressionada e curiosa com a descrição da esposa feita pelo tio ED: um jardim selvagem! Certo dia, ao chegar da escola, Tia Pombinha disse a Ducha que a esposa do tio Ed havia estado lá. Tia Pombinha disse que gostou muito da esposa do irmão e que esta era muito bonita. Ducha chateada com a chance desperdiçada de conhecer o "jardim selvagem" pensou: "As coisas que valiam a pena sempre aconteciam quando estava na escola". Será que as coisas que valem a pena sempre acontecem fora da academia? Essa pode ser a razão da aparente irrelevância das nossas pesquisas?
Mas, a conversa era sobre produtividade e relevância de nossos estudos. Para isso, discorri inicialmente sobre a minha percepção da produtividade em nosso campo de estudo. Por exemplo, o próprio EGEPE representa um avanço produtivo formidável do estudo dos dois temas no Brasil. Em 2000, quando realizamos o primeiro EGEPE na UEM, com o apoio da Hilka, Cleufe, Valdir, Luiz Antonio e Bruhmer, reunimos cerca de 50 pessoas para a apresentação de pouco mais de 30 trabalhos. Doze anos depois, os números relatados acima indicam um crescimento médio de 40% a cada evento. De igual forma, ao consultarmos o Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPQ, usando os termos "Empreendedorismo" e "Pequena Empresa", localizamo na base corrente de 2012, 263 grupos de pesquisa com interesse nesses temas, ao passo que em 2000, ano do primeiro EGEPE, havia 18 grupos de pesquisa registrados no CNPq com trabalhos em empreendedorismo e pequena empresa. Um crescimento extraordinário no período de pouco mais de uma década.
Sobre a relevância, busquei verificar como a produção acadêmica dos líderes dos grupos de pesquisa era referenciada em outros trabalhos. Usando o Google Acadêmico, a partir de uma amostra aleatória de líderes de grupos, o quadro que descobri não foi muito animador! A média de citações do trabalho mais citado de 53 líderes de grupo, encontrados no Google Acadêmico, foi de 2,9. Em uma amostra intencional, focada nos pesquisadores seniores dos dois temas no Brasil, essa média subiu para 11,7. É uma medida muito restrita de produtividade, mas aparentemente indica baixa relevância até mesmo no âmbito acadêmico.
No entanto, no meu entendimento, esse enfoque não é suficiente para falarmos de relevância do conhecimento gerado no Brasil. A preocupação do Cândido revela que essa relevância pode ser encontrada fora da academia também. Infelizmente não pude buscar dados para discorrer sobre isso, mas minha percepção não é tão pessisimista! A questão da relevãncia dos nossos estudos deve ser buscada em uma perspectiva que considere, do ponto de vista do ensino superior, os diversos caminhos que a difusão do conhecimento pode tomar.
Por exemplo, se considerarmos que a atividade universitária se manifesta em ações de ensino, pesquisa e extensão, precisamos buscar evidências de relevância nesses aspectos. Quanto ao ensino, me parece que a expansão da oferta de disciplinas que abordam empreendedorismo ou gestão de pequenas empresas, em nível de graduação e pós-graduação, indicam para mim uma crescente relevância desse tipo de conhecimento na formação de profissionais em diferentes campos que não só as ciências sociais aplicadas. No que diz respeito à pesquisa já se falou acima sobre a questão. Por fim, no que diz respeito à extensão como forma de evidenciar a relevância dos estudos, minha impressão é que este é um espaço que precisamos explorar mais. Apesar de experiências recentes com programas desenvolvidos a nível nacional e em alguns estados, como, por exemplo, os Agentes Locais de Inovação do SEBRAE em parceria com muitas innstituições de ensino superior, o PEIEx da APEXBRASIl, atividades de Extensão Tecnológica Empresarial apoiadas por FINEP, CNPQ e algumas agências de fomento à pesquisa estaduais, há ainda uma baixa intensidade de envolvimento de programas de pós-graduação nesse tipo de atividade. Esse é o espaço que temos que explorar mais, nos aproximando do mercado e da sociedade em geral.
Para finalizar esse post, minha impressão geral é que temos evoluído de forma significativa ao longo dessa última década, mas precisamos disputar a liderança desse processo de difusão de conhecimento com um número cada vez maior de fontes de conhecimento igualmente legítimas: empresas de consultoria, agências de apoio ao empreendedorismo e pequenas empresas, organizações não governamentais, associações empresariais, entre outras. Parece que estamos tendo que enfrentar uma crise de liderança, parecida com a que Nanni Moretti, cineasta italiano, retrata em seu filme Habemus Papam com Michel Picolli no papel de um papa recém-eleito pelos cardeais que entra em crise existencial no momento de sair à sacada do Vaticano para a saudação aos fiéis. Nessa comédia deliciosa e hilariante, Moretti parece falar da crise enfrentada pela igreja católica na liderança espiritual dos indivíduos. Será que a igreja é ainda relevante como guia espiritual?
Quanto às questões terrenas do empreendedorismo e gestão de pequenas empresas, penso que aqueles que estão surgindo mais recentemente na academia terão que enfrentar este desafio. Jovens pesquisadores como Cândido Borges, Emil Hoffmann, Jane Mendes Ferreira, Fernando Paiva Júnior, Éverton Cancellier, Lucila Campos, Edmilson Lima e Adriana Takahashi, entre outros, tem demonstrado muita competência e enfrentarão esse e outros desafios sem muita dificuldade. Além desse, creio que há uma tarefa essencial para essa nova liderança que é auxiliar na distinção conceitual do que é empreendedorismo e gestão de pequenas empresas, quando comparadas com a administração estratégica e a administração de grandes empresas, respectivamente. Que no próximo EGEPE, em Goiânia, março de 2014, tenhamos avançado mais um pouco.
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